Quando o crepúsculo antecede a aurora
Quando decido escrever, já se findou até mesmo o crepúsculo deste 1º de Maio. Porém, escrevo acreditando na próxima aurora benfazeja a classe trabalhadora e que precisa sempre ser construída. Erroneamente classificado como “Dia do trabalho”, e mais erroneamente ainda confundido como um feriado um tanto quanto “festivo”, esta data tão maquiada pela imprensa e banalizada com o aval das redes sociais é, em realidade, uma data de luto e reflexão. O título deste texto, bem como as tags com as quais eu o defino nos mecanismos de busca são propositais. A intenção é despertar as pessoas que ainda estão alheias à verdade sobre este dia tão doloroso para a história da classe trabalhadora que se recusa a não rememorar os mártires em seu bojo.
Muito embora nós, @s trabalhador@s, tenhamos orgulho de nossa condição ativa e honesta na transformação do mundo, jamais teremos orgulho da opressão que sobre nós recai. Em cada uma das nossas fileiras, da fábrica à sala de aula, sempre que um@ coleg@ cai, no ontem, no hoje e no amanhã, será lembrad@. Não pelo seu CPF, seu nome de batismo, sua carteira funcional, mas pelo pertencimento ao grupo daqueles que resistem. Nas memórias dos que sabemos rosto e história, também está inserida nas entrelinhas, a essência de anônim@s pertencentes uma classe vitoriosa: porque honesta, porque digna. Este dia, em que o opressor tanto se esforça para nos ver comemorar, com suas falsas propagandas e suas distorções históricas maquiadas pelos veículos de imprensa se esfacela no maior discurso vazio quando confrontado com os fatos pouco conhecidos, porém que com a égide da verdade histórica, tem maior poder do que qualquer manipulação.
Trabalho, enquanto palavra, origina-se de tripalium: Um instrumento originalmente desenvolvido para auxiliar os agricultores no processo de colheita e manufatura do trigo, mas que mãos tiranas fizeram servir como instrumento de tortura. Nesse sentido, trabalhador era o carrasco que manuseava tal instrumento com esta função perversa. Ironia à parte, de hoje o oprimido trabalhador ter herdado a alcunha de seu algoz; a etimologia pode lançar a luz a uma reflexão necessária. Em tempos atuais, o trabalho mantém ainda as características do tripalium: Se em uma face o labor se pretende ferramenta de desenvolvimento, evolução, crescimento e progresso; por outro viola, fere, degenera àqueles que a ele se lançam tão laboriosamente. Tal opressão não deriva, pois, de seu exercício; mas de sua estrutura social autodestrutiva: O trabalho é controlado pelos que não trabalham. Todos os problemas relacionados ao trabalho possuem comum raíz: Não são os trabalhadores os que definem seu próprio ato de trabalhar.
O “comemorativo” dia do trabalho perde completamente o sentido quando lançamos mão da história de nossa classe, passando a ser justamente visto como o dia do trabalhador. No dia 1º de Maio, não se comemora o ato de trabalhar – muitas vezes torturante sobre todos os aspectos, fundamentalmente os sociais – mas sim, se reafirma a luta daqueles que trabalham. 1º de Maio não é um dia criado para ovacionar uma prática, um ato; é um dia para reafirmar a dignidade, a história, o luto e a luta dos que trabalharam e trabalham.
A história a qual nos referimos remete ao ano de 1886, na cidade de Chicago, nos Estados Unidos. Neste dia, naquele ano um grupo de trabalhadores se uniu para reivindicar uma jornada de oito horas, simultaneamente decretando uma greve geral com a participação de algumas milhares de pessoas. No dia 3 de maio, uma agremiação de pessoas apoiando a greve foi dissipada pela polícia culminando na morte de manifestantes. Revoltados com a ação repressiva da força policial, um novo levante ocorreu no dia seguinte; de onde a explosão de uma bomba culminou na atitude policial de abrir fogo contra todos os manifestantes. Dezenas ficaram feridas e doze pereceram. Nos anais da história, este conflito está registrado como Revolta de Haymarket.
A posição dos líderes capitalistas era claramente refletida na imprensa da época que chamava os manifestantes de “cafajestes, preguiçosos, e canalhas que buscavam criar desordens”. Em sua autobiografia, August Spies, um tipógrafo anarquista e editor do periódico Arbeiter-Zeitung diz: “O fato é que o acontecimento da bomba foi utilizado como motivo para a perseguição de todo o movimento radical de trabalhadores. A polícia invadiu casas e escritórios de suspeitos e houve muitas prisões. Muitas pessoas que nem sabiam o que era anarquismo ou socialismo foram presas e torturadas. Definitivamente, a polícia primeiro atacava e prendia, para depois averiguar se havia alguma “culpa” dos acusados.”
Em 1889, mais precisamente no dia 3 de Junho, acontecia a Segunda Internacional Socialista em Paris, onde ficou decidido – proposta feita por Raymond Lavigne – que se convocasse ano após ano uma manifestação com o objetivo fundamental da implantação da jornada de oito horas diárias. O dia 1º de Maio foi escolhido como esta data, justamente em homenagem aos acontecimentos de Chicago. Neste dia, em 1981, mais um protesto de trabalhadores (desta vez no norte da França) é abafado violentamente pelo aparelho policial resultando na morte de mais dez manifestantes. Este acontecimento foi decisivo para que a Internacional Socialista, dessa vez em Bruxelas, decretasse, então, mundialmente o 1º de Maio como dia de manifestação sobre as condições laborais.
A jornada de oito horas era enfim conquistada na França, no dia 23 de Abril de 1919, e proclama feriado nacional no dia 1º de Maio. Em 1920, a Rússia segue o exemplo, e a seguir, os demais países do mundo.
Vale aqui ressaltar que todos os manifestantes mortos no acontecimento em Chigago eram anarquistas.
Referência:
Fondation Besnard
Artigo originalmente postado no Fagocitando.
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