O Movimento de Direitos Animais Abolicionista não aprova a misantropia
Um dos grandes fatores que atrapalham e inibem o crescimento e profissionalização do movimento defensor dos Direitos Animais vem não de fora, pelos conservadores formadores de opinião e representantes da agroindústria da carne e dos laticínios que tentam difamá-lo. Mas sim de dentro. Dos que se dizem veganos mas literalmente odeiam uma dada espécie de animais – os humanos – ou a maioria dos indivíduos a ela pertencente – incluindo mesmo os que mudarão de consciência no futuro.
São os portadores da misantropia, o ódio por outros seres humanos – e talvez até por si mesmo por ser um humano. São pessoas que tomaram um caminho corrompido em termos de assimilação dos Direitos Animais e compreensão da necessidade de se abolir a exploração animal. Ao invés de terem percebido que é necessário educar e conscientizar aquelas pessoas que ainda compactuam, mesmo sem se dar conta, com os sistemas de escravidão animal, passaram a crer que a espécie humana é irreversivelmente corrupta e merece ser varrida do planeta pelo bem dos demais animais.
Em vez de dialogar ou mostrar conteúdo didático que denuncie a escravidão animal ou traga perguntas inquietantes que tematizem uma eventual reflexão por parte dos leitores ou telespectadores, preferem mandar os onívoros comerem fezes ou xingá-los de outras maneiras. Irracionalmente creem que estão construindo um mundo melhor ao ofender ao invés de educar. E ainda que admirem grupos de ação direta como a ALF, contrariam todos os princípios éticos deles – que sempre incluem libertar os humanos e não fazer qualquer mal, por mais cruéis que alguns deles sejam.
E curiosamente, quando odeiam todo aquele ser humano que compactue de alguma forma com a exploração animal – seja comendo alimentos de origem animal, seja pescando ou caçando, seja indo a rodeios e vaquejadas etc. –, negam tanto que provavelmente, por exemplo, já gostaram de rodeios, foram a zoológicos e curtiram e comeram carne por muitos anos – e tiveram e aproveitaram a oportunidade de deixar de fazê-los por conscientização –, como que pessoas podem mudar em sua consciência no futuro, por mais violentas e desigualitárias que sejam suas crenças atuais.
Internamente são, junto às brigas internas, uma das duas grandes pedras no sapato do movimento defensor dos Direitos Animais. Primeiro porque na prática não querem libertar os animais não humanos, não aceitando as providências racionais – todas as quais envolvem a educação abolicionista – para que se realize a futura derradeira libertação e preferindo apenas se revoltar impotentemente com a situação atual de escravidão e assassinato em massa. Segundo porque queimam o filme dos defensores dos Direitos Animais, “confirmando” a crença do senso comum de que estes seriam extremistas, terroristas e odiadores da humanidade e que o vegano-abolicionismo seria algo absurdo e indutor de práticas violentas.
No caso da atrapalhação, ela acontece porque os misantropos, ao fazerem suas ceninhas de manifestação de ódio, por exemplo, mandando os onívoros comerem cocô, despertam nos carnistas não o interesse em conhecer o veg(etari)anismo de razões éticas e os Direitos Animais, mas sim repulsa pelos abolicionistas. Além de plantarem neles o medo de que se tornar vegano lhes cause o florescimento mental da misantropia sociopática. Em outras palavras, afastam, ao invés de atrair, as pessoas da compreensão dos Direitos Animais, tornando-as ainda mais resistentes do que já são aos diálogos que os defensores dos animais tentam semear.
E todo e qualquer empecilho, seja externo ou interno, que iniba o crescimento e sofisticação do veganismo-abolicionismo deve ser enfrentado na medida de seu poder interferente. Isso inclui ajustar os conceitos de veganismo e abolicionismo de modo que eles, por ontologia, não aceitem misantropos. Porque libertação animal também é libertação humana, e os seres humanos precisam ser libertos do estado de alienação, bruteza sutil e cumplicidade inconsciente em que se encontram, e não exterminados por forças naturais ou intra-antrópicas.
Além disso, seres humanos são sujeitos morais iguais aos demais animais, não inferiores a estes, logo merecem a mesma consideração moral nas campanhas de emancipação animal. E na filosofia abolicionista não há espaço para dicotomias, justamente porque são estas que provocam todo o derramamento de sangue inocente, seja não humano ou humano, por parte dos sistemas de escravidão animal.
Por isso a misantropia deve ser, com o perdão da palavra militarista, combatida dentro do movimento. Cada crueldade que vemos acontecer no dia-a-dia deveria ser sentimentalmente tratada com a frase “Isso nos mostra que a humanidade deveria ser educada e libertada desse estado de embrutecimento”. E não com “Isso nos mostra que a humanidade deveria ser varrida da face da Terra”. Antes de tudo, também somos animais, igualmente sujeitos aos princípios emancipatórios dos Direitos Animais. E o ódio aos humanos é um fator que ajuda a reforçar o recrudescimento da cultura zooescravista, por matar nas pessoas qualquer interesse de nos entender e se juntar a nós. E, por isso, ser misantropo é ser contra os Direitos Animais.
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