Luta por Direitos e a repressão do Estado:
Os relatos abaixo foram feitos por manifestantes que preferem não se identificar por razões óbvias e visa mostrar um pouco do que tem rolado nas ruas e que tem sido constantemente manipulado e distorcido pela mídia tradicional de massa. O relato foi postado na íntegra.
“Para mim o ato começou às 15h30 da tarde, uma hora e meia antes do inicio marcado, cheguei antes para encontrar amigos e sentir o clima. Vi as barracas do pessoal que havia passado a noite ocupando o vão livre. Haviam cartazes e faixas, mostrando que o protesto tinha se iniciado na noite anterior.
Havia pouca gente entre manifestantes e alguns moradores de rua, em compensação o número de policiais militares já era assustador.
Para ir peguei o metro Republica em direção ao Trianon-Masp e já havia Policiais Militares em grupos grandes por todo o centro e nas estações de metro também. Muitos com escudos, a maioria com a mão sobre a arma enquanto encaravam os transeuntes.
O ato em si teve inicio às 17h30 e a Avenida Paulista foi ocupada, o número de pessoas havia aumentado, mas ainda era bem menor do que o previsto. Os manifestantes eram em sua maioria jovens, um grande número vestido para a prática Black Bloc. Havia também um grande número de militantes de partidos, com faixas e bandeiras. De pronto me lembro do PCO, PCR, PSTU e PSOL, além de organizações estudantis como a ANEL e a UNE (a presença da Une me chamou a atenção já que a maioria de seus membros apoia o governo e oficialmente a Une apoia a Copa do Mundo no Brasil).
Pouco antes das 18 horas começamos a andar pela Paulista no sentido Paraíso, havia uma tensão velada no ar, o número de policiais era absurdo, parecia muito superior ao de manifestantes. Naquele momento o confronto me parecia questão de tempo.
Mas, o ato seguiu em paz, descemos a Brigadeiro em direção ao Centro, e o número de manifestantes aumentou muito, não sei dizer exatamente quantas pessoas estavam lá, mas sem duvida ele triplicou em número de pessoas desde que saiu do Masp. Foram mais de duas horas de caminhada pacífica sem nenhuma confusão ou atrito. Os partidos com suas bandeiras, muita gente com faixas e cartazes e da frente onde estava o Black Bloc vinham as palavras de ordem. A maioria delas já tradicional nos atos em São Paulo, mas uma me chamou a atenção “Ei burguês a culpa é de vocês!” foi ali que senti pela primeira vez a influencia dos rolezinhos em outros movimentos.
Começava a aparecer uma consciência de classe mais focada do que o de costume. (Apesar de ter visto gritos e palavras de ordem similares nos protestos de 2013, especialmente em frente a shoppings).
Quando chegamos próximo a prefeitura de São Paulo tive o sinal definitivo de que haveria confronto.
A tropa de Choque, que em geral permanece afastada e escondida até que inicie um conflito, estava bem a vista na praça ao lado da Prefeitura com uma caminhão que lembra o Caveirão do Rio.
Passamos por eles e era certo que nos seguiriam dali em diante, não deu outra.
A manifestação seguiu calma até frente do Teatro Municipal, mas lá tudo mudou. Na frente do Teatro haviam barracas de alimentação colocadas pelas festividades do aniversário de São Paulo, isso causou um afunilamento do ato e a tensão cresceu, a frente da marcha ficou prensada nas laterais e de frente para a PM, começou uma discussão e de repente uma explosão, o primeiro tiro do dia, uma bomba de gás lacrimogênio.
Isso causou um corre corre, as pessoas corriam em direções variadas, os membros de partido saíram com as bandeiras e abandonaram o ato. Depois disso só vi uma bandeira do PCR.
As pessoas se reorganizaram e começaram a andar em direção a praça Roosevelt.
As ruas do centrão de São Paulo são claustrofóbicas, andávamos rápido e atrás de nós vinha um número enorme de PMs, soltando bombas. Não corríamos mas andávamos rápido, as palavras de ordem agora se voltavam contra a truculência da policia (e do Estado).
Quando saímos do labirinto de ruas do centro velho nos deparamos com a Avenida Consolação onde o Choque já nos esperava, passamos sem confrontar a PM ou quebrar nada, mesmo assim um dos PMs atirava balas de borracha a esmo.
O grupo em que eu estava decidiu sair da manifestação, eu e um amigo seguimos nela, imaginando conseguir voltar ao Masp, ledo engano.
Nesse ponto a tensão já estava no máximo, começou o quebra quebra, primeiro contra uma concessionária Honda depois contra agencias bancárias. Ai aconteceu algo inédito, restaurantes caros, para a elite, que estavam no caminho também foram depredados, mesmo que de leve se comparado aos bancos, o que me lembrou imediatamente o grito “Ei burguês a culpa é de vocês!” Ali os ataques passavam além dos símbolos mais claros do capitalismo como bancos ou o McDonald’s para algo que acredito representar bem a luta de classe, o restaurante inacessível, o refugio do burguês.
Subimos a Augusta com o Choque atrás de nós lançando tudo que eles tinham, chovia gás lacrimogênio e eu escutava tiros de bala de borracha. A minha esquerda dava pra ver os militantes quebrando agencias bancárias e pichando os muros, estávamos todos muito nervosos subindo a Augusta quase correndo, quando na nossa frente na próxima esquina o Choque apareceu e fechou o caminho, olhei pra trás e vi que o Choque também avança pela retaguarda. Sabia que seriamos encurralados, sabia que seria um massacre, eu já tinha passado por isso vezes o suficiente para saber o que acontece quando se fica numa rua fechada pelo Choque.
Chamei meu amigo e corremos em direção ao batalhão que avança por trás de nós antes que eles fechassem a esquina, nossa ultima escapatória, as pessoas estavam confusas, paradas como esperando o inevitável, vi que alguns manifestantes no corre corre entraram num hotel, achei má ideia, continuamos correndo e no ultimo instante pegamos uma rua lateral, havíamos escapado.
O sangue corria rápido nas veias tentando voltar pra a praça Roosevelt, vários policiais pelo caminho revistando as pessoas, demos sorte e seguimos sem inconvenientes até encontrar nossos amigos.
Logo vimos no jornal a imagem do Fusca queimando, não acreditei que ninguém que estava naquele ato faria aquilo, todo o ato foi voltado contra os poderosos, os burgueses, as forças repressoras, não fazia sentido atacar um Fusca. Depois soube da verdade, que o motorista se assustou e atropelou um colchão em chamas o que acabou queimando seu veículo, mas naquele momento a mídia fazia a festa demonizando o Black Bloc.
Também soube mais tarde o que houve naquele hotel em que quase fui me refugiar, escapei por pouco de levar botinadas e ser preso.
Pra mim esse foi o saldo do dia 25, um pequeno gosto, muito de leve de tudo que a mídia e o Estado vão jogar contra quem questionar sua sacro santa Copa do Mundo de agora em diante”.
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Outro breve relato sobre o primeiro grande ato:
“Assim que cheguei na consolação na estação do metro Paulista, já havia alguns policias fazendo revista de algumas pessoas. Andando pela Paulista, normalmente fica dois policiais em cada esquina, mas no sábado havia grupos de 4 a 6 PMs.
Quando começamos a andar já avistamos um micro ônibus deles do outro lado da rua, e uma quantidade absurda. Digamos que se tivesse 100 manifestantes tinha uns 400 policiais.
O Choque foi ao lado e atrás da manifestação.
Ao passar por uma rua que não me recordo, avistamos dois carros do IML, não sei ainda o por que.
E lembro muito bem, que não estava rolando quase nada no Teatro quando eles lançaram a primeira bomba, quando começamos a andar novamente, duas rocans aceleraram e saíram em disparada contra os manifestantes, se o pessoal não tivessem desviado com certeza seriam atropelados.
Eu sai do ato em frente a praça Roosevelt, onde eles já estavam se posicionando ao redor da praça, sendo que o ato já estava na Augusta. Para variar eles usaram muitas bombas, bala de borracha e a truculência de sempre”.
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* O segundo grande ato ocorrerá no dia 22 de fevereiro e na medida do possível estaremos acompanhando e relatando.
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