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Uma questão que intriga muitas pessoas, ao pensarem em adotar uma perspectiva ética para direcionar o curso de sua existência e orientar as decisões que acabam tornando-se ações, que, por sua vez, acabam por interferir nos propósitos de outros seres vivos, é: “Cada pessoa tem sua ética. Como vou saber qual delas está mais perto do que devemos pensar?”.

Já escrevi, em uma das primeiras colunas, sobre a diferença entre “cada pessoa tem sua ética” e “cada pessoa tem sua perspectiva moral”.

Nem todos os filósofos reconhecem que há uma diferença entre “moral” e “ética” (Peter Singer, por exemplo). Ethos se refere, em uma das variações gregas, àquilo que já temos ao nascer, estruturando nossos gostos, preferências ou inclinações, enquanto em outra variação do termo grego significa aquilo que forjamos em nossa natureza como caráter, pela prática repetida. Moral, por seu turno, vem do latim e significa costume.

Voltando, então, ao que escrevia acima, podemos dizer que cada pessoa tem uma perspectiva moral própria, pois está acostumada, ao modo do que aprendeu na família, na escola e na vida social com suas regras, a fazer as coisas de certo modo, julgando que este é o único modo certo de se fazer essas coisas. Mas, para dizermos que um determinado costume é ético, ou não, não basta recorrermos à natureza dessas práticas, nem à tradição que as disseminou.

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Em cima: Obra “A Criação de Adão” de Michelangelo, mensagem artística clara sobre a centralização e afirmação da ligação direta suprema entre Deus e o Homem, como diz o Gênesis 1:27, “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança”. Representando o papel do homem como figura central da análise da vida (antropocentrismo).

Precisamos examinar com mais cuidado o princípio universal que o sustenta. Esse princípio precisa ser reconhecido como válido para qualquer agente moral, que, ao segui-lo, não pode violentar sua natureza racional. Quer dizer, é preciso que seja reconhecido como bom por qualquer pessoa capaz de ser razoável na elaboração de um juízo moral. Precisa ainda ser um princípio geral, quer dizer, que sirva para iluminar nossos juízos nos casos mais diversos. Precisa também ser imparcial, para evitar que um juízo moral seja contaminado por interesses pessoais ou subjetivos. E precisa ser apto a promover o bem daqueles que forem afetados pela decisão moral. Na ética prática contemporânea temos quatro tendências bem definidas, cada uma delas elaborada a partir de um núcleo, um âmbito de interesse julgado digno de consideração e respeito moral.

As perspectivas antropocêntricas estabelecem os deveres morais positivos e negativos tendo em vista o bem dos seres humanos, colocado no centro e acima do bem de qualquer outro ser vivo. Por isso a designação “ética antropocêntrica”. Essa ética, ao engrandecer a natureza humana, afirmando que os interesses e propósitos humanos estão acima de quaisquer interesses ou fins de quaisquer indivíduos de outras espécies nesse planeta, coloca em segundo plano, para não dizer, em último lugar, os interesses de todas as demais espécies de vida. Estamos vivendo nesse momento a ameaça de destruição da vida, que tal ética ensejou.

Desde o século XVIII, a filosofia inglesa foi pioneira no enfrentamento da ética antropocêntrica, ao propor que a moralidade humana fosse julgada a partir do modo como os humanos tratam qualquer ser capaz de sentir dor e de sofrer. Ancorado nessa crítica ao antropocentrismo, o filósofo australiano Peter Singer propôs, na década de 70 do século XX, uma ética para nortear as ações humanas podem resultar em danos ao bem-estar ou destruição da vida de qualquer ser senciente. Na esteira desse filósofo, a ética senciocêntrica segue em franco desdobramento ao redor do planeta nos últimos 30 anos. Para a perspectiva ética senciocêntrica, o agente moral não pode ter dois pesos e duas medidas para lidar com uma mesma questão: a da dor e sofrimento de seres sencientes. Se a dor humana merece consideração, pelo efeito devastador que tem sobre a existência de quem a sente, o mesmo merece a dor de qualquer animal. Dor é dor. Respeito pela dor não pode ter viés especista. Quer dizer, não pode premiar um ser sofrente com o lenitivo, enquanto castiga outro sofrente, abandonando-o à desgraça. A ética senciocêntrica alargou enormemente o âmbito da moralidade humana, ao incluir no rol da consideração todos os animais capazes de senciência.

Enquanto a filosofia utilitarista, na qual está fundada a ética senciocêntrica, dava seus passos largos para impedir que a ética antropocêntrica continuasse hegemônica no mundo ocidental, iniciava-se outro movimento de contestação ao antropocentrismo, dessa vez não privilegiando qualquer atributo mental, erro cometido tanto pelo antropocentrismo quanto pelo senciocentrismo, o primeiro privilegiando a racionalidade, o segundo a sensibilidade. Aldo Leopold, em 1949, inicia a escrita de uma concepção ética que abarca todas as formas de vida, sem discriminação de qualquer uma delas por ser dotada, ou destituída, de habilidades psicológicas. Para esse autor, seguido por Callicott e Holmes Rolston III, a ética deve nortear as ações humanas no sentido de que nenhuma delas implique destruição de qualquer espécie de vida. A grandeza da ética ecocêntrica, conforme se denomina hoje essa perspectiva que deu origem à ética da terra e à ecologia profunda, está em incluir sem hierarquizar qualquer espécie de vida na consideração moral. O limite dessa perspectiva ecocêntrica é que ela não oferece recursos para dirimir conflitos ou superar dilemas morais quando os interesses de uma determinada espécie de vida se chocam contra os interesses de seres vivos individuais. A ética ecocêntrica não chega a lidar com dilemas morais. Ela já tem uma resposta pronta para qualquer embate: mate o indivíduo que estiver incomodando o ecossistema, ou que estiver ameaçando uma determinada espécie (Albert Schweitzer).

Bem esclarecido por todas essas tradições filosóficas que dão sua contribuição inestimável ao projeto de elaborar uma concepção ética para nortear as decisões e ações de agentes morais, Paul Taylor publicou um livro, em 1986, intitulado Respect for nature (Respeito à natureza), ainda não traduzido, infelizmente, no Brasil. Da tradição antropocêntrica, mais especialmente do modelo kantiano da ética para humanos, Taylor adota o conceito de valor inerente e a tese de que compete a agentes morais racionais elucidar conflitos morais, quando interesses de diferentes sujeitos estão em jogo. Mas, ao contrário da proposta antropocêntrica, Taylor não admite que a solução de qualquer conflito moral tenha somente em conta os interesses do agente humano. Por outro lado, o critério da inclusão na consideração de interesses de seres dotados de senciência, conforme o propõe Singer, também não basta para nos orientar na solução dos conflitos e superação de dilemas quando estão em jogo interesses de seres de diferentes espécies, humanos, animais não humanos e plantas, por exemplo, pois estas, até onde os conceitos filosóficos conseguem alcançar, não seriam dotadas de senciência nos termos psicológicos nos quais o conceito é firmado.

Finalmente, reconhecer, como o faz a ética ecocêntrica, que apenas as espécies contam, podendo-se exterminar a vida de todo indivíduo animal, quando incomoda ou atrapalha a vida de alguma espécie, também não parece a Taylor uma proposta sensata, razoável e ética, pois a vida dos indivíduos importa, para eles, ainda que sua existência implique uma série de problemas para os que os cercam. Sabemos muito bem o que isso significa no caso de nossa própria espécie.

Taylor, com sua ética biocêntrica, sugere que seja levado em consideração o valor inerente à vida de cada indivíduo, não significando isso que em hipótese alguma uma vida não possa ser eliminada. Mas a razão pela qual uma vida pode ser exterminada deve ser uma razão ética, descartando-se a hipótese de que interesses comerciais, estéticos, científicos ou de qualquer natureza antropocêntrica possam servir como pretexto para que tiremos a vida dos outros. Isso vale para humanos, animais não humanos e ecossistemas naturais. Por isso a designação biocêntrica para tal proposta ética.

* Publicado originalmente na ANDA.

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