Por um ativismo responsável que não fecha a janela do diálogo
Desde o começo dessa história do Royal que tenho dois grupos no meu facebook. Como bióloga, tenho vários amigos, colegas e conhecidos da área, alguns que defendem os testes, outros que não se manifestam. Como vegana e ativista pelos Direitos Animais, tenho amigos, colegas e conhecidos da área, todos completamente contra os testes.
Há poucas intersecções entre esses dois grupos, e eu não sei se posso me enquadrar como, de fato, uma delas. Isso porque não estudei o suficiente sobre métodos substitutivos, embora possa afirmar que durante minha graduação eu não tenha sido a única a classificar como totalmente desnecessárias (ou imorais) algumas das práticas que ocorreram com a presença de animais e, por isso, a conversa sobre substitutivos tenha acontecido algumas vezes, mesmo que de forma tímida (e sem resultados).
O que observo, aqui no meio da linha de fogo, são incoerências de ambos os lados. São achismos, verdades absolutas, agressividade, falta de argumentação, tentativa de impor fatos usando discursos prontos, com falsa autoridade. E isso, queridos amigos, de ambos os lados, só atrapalha.
Vou falar brevemente sobre dois eventos (eventos, mesmo, criados no facebook para convocar pessoas) recentes, e então talvez todos possam me ajudar na análise do que está acontecendo nesse momento que é, sim, histórico no nosso país, mas que pode se tornar um absoluto vazio se não for bem conduzido.
1) Uma tal ONG de proteção animal (cães e gatos) resolve promover um almoço para arrecadar dinheiro para os animais do abrigo. O tal almoço tem como prato principal galetos, ou seja, frangos jovens. Há um furor na comunidade dos defensores da causa animal (todos, sem especismo), as pessoas se mobilizam para massacrar a ação. Algumas poucas têm bom senso e tentam conversar, mas aí a caixa de diálogo já estava fechada. Posts são apagados, perguntas não são respondidas. O caso só teve sucesso porque a idealizadora foi contatada por uma pessoa muito sensata (e educada) que conversou expondo as razões da incoerência de promover o bem de uns animais (cães e gatos) em detrimento de outros (galinhas). O cardápio foi modificado, e até onde eu sei, deu tudo certo.
2) Um grupo de pessoas resolve promover uma passeata contra a experimentação animal, no clima de comoção nacional com o caso do Instituto Royal. Pessoas contrárias, ou seja, a favor da experimentação, publicam (educadamente) na página do tal evento, e são rechaçadas. Não só isso, mas pessoas que não têm base científica nenhuma tentam discutir absurdos com pessoas que sabem do que estão falando. Beira o ridículo. Os posts são apagados, as pessoas são excluídas, e a janela para o diálogo é fechada. Só que dessa vez não houve um mediador com bom senso (e com conhecimento de ambos os lados) para tentar reabrir a tal janela. Principalmente porque a solução não seria tão imediata como no caso dos galetos.
Agora ficam as perguntas:
1) Que direito e que razão temos nós, como ativistas, de falar sobre coisas da qual não sabemos? Eu sei que nossas motivações para o fim da experimentação são éticas, e se é sobre isso que sabemos, falemos sobre isso. Não sobre existirem substitutivos (essa frase, repetida à exaustão, embora tenha razão em alguns casos, me cansa. As pessoas leigas repetem isso como se estivesse escrito na Bíblia, e nunca entraram num laboratório na vida, não conhecem protocolos experimentais, não sabem nada sobre desenvolvimento de fármacos, e ficam espalhando abobrinhas doloridas por aí), ou sobre os cientistas serem malvados, “feios” e errados (embora alguns sejam tudo isso e muito mais, sim).
2) A ciência é movida pelas perguntas. Que direito temos nós, como cientistas, de repetirmos à exaustão a frase “precisamos de animais para nossos testes”, quando a maioria de nós não tem conhecimento suficiente sobre técnicas e métodos substitutivos? Quanto questionamos, de fato, a necessidade do uso dos animais, e quanto, na verdade, só seguimos protocolos, acreditando que os animais são mesmo necessários? Não sou ingênua de achar que já temos substitutivos para tudo que há por aí, mas vi muitas inverdades sendo divulgadas sobre vivissecção.
Já não se usam animais para formar cirurgiões em vários países do mundo, e em várias ótimas universidades, então isso não seria uma prática defasada, cuja abolição não traria nenhum dano imediato? Muitas vezes vejo cientistas que, por terem conhecimento, olham para os ativistas como pessoas sem noção, sem argumentação e com quem não se pode dialogar (e como existem pessoas assim! Mas garanto que não são todos, não percam as esperanças), mas não se perguntam “será que eles podem ter razão? Como poderíamos avançar sem uso de animais?”.
Aqui, de fora no país onde estou e de dentro de ambas as realidades, só vejo que fechar essa janela importantíssima é uma imensa perda de tempo para os dois lados.
Ativistas, entendam, se há alguém com poder, conhecimento e capacidade de mudar a realidade dos testes em animais, esse alguém é o cientista.
Travar uma batalha patética com eles é deprimente, primeiro porque a maioria de vocês não sabe nada sobre ciência, segundo porque é brigar com as únicas pessoas que podem nos ajudar a ter um futuro sem vivissecção (por mais longínquo que isso seja).
Caros amigos cientistas, entendam: a formação científica no Brasil é pífia, as pessoas não entendem a linguagem científica e para quem está só do lado de fora, os laboratórios são grandes e misteriosos lugares de torturar animais (embora alguns não passem disso, que eu sei). Só que são esses impertinentes ativistas que podem nos impulsionar a fazer uma ciência diferente, mais ética, mais barata, mais rápida, com benefícios para todos os animais (incluindo os humanos, claro).
Pode parecer puro fundamentalismo religioso (e às vezes é só isso mesmo), mas há defensores dos Direitos Animais que podem ajudar a fazer as perguntas certas, que podem nos fazer avançar.
Esse texto é um convite à reflexão, para que não voltemos à era dos gladiadores irracionais, que em vez de agredirem-se fisicamente, infantilmente deletam posts, apagam comentários, e só sabem conversar com quem concordam. A discordância é o ponto onde devemos pegar pesado. As perguntas são muitas, as respostas podem demorar dezenas de anos para chegar, mas não vão nem dar atenção a elas enquanto essa janela de diálogo for tão estreita, tão cheia dessa dicotomia infundada entre “mocinhos/bons” e “vilões/bandidos”. Ninguém vai ganhar com isso, estamos todos perdendo.
Por uma ciência mais ética e ao alcance de todos, por um ativismo mais responsável e aberto ao diálogo.
Juntos.
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