Não há motivo para concluirmos que a dieta vegetariana não seja natural à nossa espécie
A vitamina B12 é sem dúvida a questão nutricional mais polêmica na dieta vegetariana. Mas nem sempre foi assim. Quem é vegetariano há mais de quatorze anos, sabe que, não faz muito tempo, pouco se falava sobre ela. O tema entrou em pauta para ficar, devidamente merecedora da nossa atenção, na transição do milênio (entre 1999 e 2003), quando foram publicados diversos estudos em vários países relatando sobre os níveis da vitamina B12 na população onívora, vegetariana e vegana. Os resultados encontrados foram alarmantes tanto para ovolactovegetarianos quanto para veganos.
Alemanha, Austrália, Chile, Eslováquia, Estados Unidos, Itália, Taiwan. Todos os países estudados, com exceção dos EUA, indicaram que a população vegetariana e principalmente a vegana estavam com os níveis da vitamina B12 muito abaixo do desejado. O único país onde essas populações apresentaram níveis sanguíneos da vitamina B12 equivalentes ao da população onívora foi nos EUA. Isso pode ser explicado pela predominância no uso de suplementos e alimentos fortificados, o que já era uma prática comum para toda a população norte-americana na época em que o estudo foi realizado (1999).
Os mesmos estudos mediram também as taxas de homocisteína, que se elevam quando a vitamina B12 está deficiente. Os resultados encontrados foram inversamente proporcionais (menos B12, mais homocisteína), o que serviu para reforçar os resultados encontrados.
Diante de dados tão alarmantes, os profissionais de saúde que se dedicavam ao tema da nutrição vegetariana trataram de alertar a população sobre a importância da suplementação. Alguns estudos chegavam inclusive a demonstrar que os vegetarianos estariam mais expostos ao risco de desenvolver doenças cardiovasculares do que os onívoros! Isso porque os efeitos negativos da elevação da homocisteína (leia deficiência de B12) podem ser mais importantes do que os efeitos benéficos proporcionados por uma dieta pobre em gordura saturada e colesterol e rica em antioxidantes e fibras. Tal constatação ainda é válida: a redução na mortalidade proporcionada por uma dieta com tais características positivas pode facilmente ser anulada pelo aumento da mortalidade atribuído à elevação das taxas da homocisteína.
Isso significa dizer que as populações vegetariana e vegana de diversos países estavam remando contra a maré para no final não colher os benefícios. Um estudo aponta que para cada 10% de aumento nas taxas da homocisteína, há um aumento de 5% a 10% na mortalidade (redução de 6 a 12 meses no tempo de vida), apontando que o seu papel no aumento do risco de desenvolver doenças cardiovasculares pode ser mais importante do que o do colesterol. Portanto, segundo esse estudo: menos vitamina B12 é igual a mais homocisteína que é igual a um prejuízo maior do que aquele obtido pela eliminação do colesterol dietético.
Além da saúde cardiovascular, outros aspectos da saúde também são afetados pela baixa ingestão da vitamina B12, como é o caso do sistema nervoso. Uma deficiência por períodos prolongados (muitos anos) pode levar ao desenvolvimento de doenças como a paranóia e a esquizofrenia. Em tempo mais curto, podem ser notados sintomas mais amenos e fáceis de serem corrigidos, que são citados adiante.
Se tudo isso soa muito alarmante para você, não há motivo para se desesperar ou desistir da adoção de uma dieta vegetariana. O interesse é em fazer o alerta para uma questão legítima e que merece a atenção de todos os praticantes, justamente para que os erros possam ser prevenidos. A solução é simples: suplemente e assim poderá ter acesso a todos os benefícios que a dieta vegetariana tem para oferecer. Uma vez eliminada a possibilidade de desenvolver essa deficiência vitamínica, os benefícios certamente superam quaisquer riscos. A verdade é que todos os riscos atribuídos à adoção de uma dieta vegetariana podem ser contornados com o uso da informação correta. Com a exceção da vitamina B12, todos os outros nutrientes podem ser fornecidos por uma dieta vegetariana ou vegana que contemple um planejamento mínimo.
O simples uso de um suplemento oral à dose de 10 mcg uma vez ao dia ou 2.000 mcg uma vez por semana é capaz de prevenir essa deficiência vitamínica. O custo mensal para essa intervenção é inferior a 10 reais e o conteúdo do suplemento é vegano na maioria dos casos (pesquise composição e marcas).
Os grupos que não devem jamais deixar de suplementar com a vitamina são crianças, gestantes e idosos. Os ovo-lacto-vegetarianos fora desses grupos não precisam obrigatoriamente suplementar, mas também podem beneficiar-se de seu uso. Já os veganos, em qualquer fase da vida, devem sempre suplementar. Para aqueles que já têm mais de cinco anos de veganismo, mesmo com o uso regular da suplementação oral, o monitoramento laboratorial anual (B12 e homocisteína) é útil. Caso isso não seja possível, uma atenção especial deve ser dada ao aparecimento dos primeiros sintomas da deficiência: déficit de memória, perda de sensibilidade nas extremidades dos dedos, redução do apetite, perda do equilíbrio e sensação de língua inchada. Depois de muitos anos de veganismo, uma deficiência pode ocorrer a despeito do uso regular do suplemento oral. Se for o caso, uma dose injetável da vitamina B12 pode ser recomendada, o que corrige rapidamente a deficiência.
O uso da suplementação deve ser encarado por vegetarianos e veganos como algo natural. Eu não estou utilizando o termo “natural” nessa acepção para descrever algo que pertença à ordem natural das coisas, mas para descrever um cuidado cuja necessidade é praticamente certa para grande parte da população vegetariana e quase que a totalidade da população vegana. Por isso, deve ser aceito com naturalidade.
São raros os que poderão ficar sem qualquer tipo de suplementação, muitos poderão contar apenas com o suplemento oral e alguns terão que recorrer ao uso da forma injetável da vitamina.
Mesmo nesses casos, não há motivo para concluirmos que a dieta vegana não seja natural à nossa espécie.
O fato é que a nossa espécie está demasiadamente distante do ambiente natural no qual evoluímos, onde a vitamina B12 era suprida pelo consumo frequente constante de bactérias que contaminavam a água e os alimentos. Por esse motivo, para contrapormos um problema causado pela modernidade, uma solução igualmente moderna é necessária.
Conteúdo publicado originalmente na Clínica especializada em Dietas Vegetarianas – NUTRIVEG.
* Texto sofreu pequenas alterações de acordo com os princípios de eficiência e comunicação do Site Camaleão.
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